Todo capoeirista que preza a história dessa manifestação, sabe que a capoeira tem um conteúdo político muito forte. Afinal ela surge como uma reação a uma violência a que eram submetidos os povos escravizados vindos de África, aqui no Brasil. A capoeira é antes de mais nada, uma contestação ao sistema escravagista que submetia milhões de homens e mulheres a uma cruel e desumana condição onde não só os trabalhos forçados, mas também a negação de sua cultura, sua religião, seus símbolos, seus modos de vida, era em última instância, a negação de sua própria condição de seres humanos.
Por isso a capoeira foi tão perseguida durante tantos anos. E por isso também foi preciso resistir durante muito tempo para que essa manifestação chegasse até os nossos dias, com o reconhecimento que adquiriu em nossa sociedade atual, com status de “símbolo da cultura brasileira”. Devemos isso aos bravos capoeiras do passado que souberam com suas artimanhas e estratégias, enfrentar o poder para continuar cultivando suas tradições e preservando-as com muita dignidade para as gerações futuras. Isso se constitui numa postura extremamente política.
Hoje a capoeira é muito bem vista pelas sociedades de todas as partes do mundo, e muitos são os capoeiristas que sobrevivem dessa arte. Em muitas partes do planeta, essa manifestação virou até um certo “modismo”, mobilizando milhões e milhões de praticantes de todas as faixas etárias, mas sobretudo, atingindo o público predominantemente jovem. E por ter se transformado em “modismo”, muitas vezes esse conteúdo político que está na gênese da capoeira, acaba perdendo espaço e sentido, fazendo com que ela se transforme em mera atividade voltada ao entretenimento e ao cultivo das qualidades físicas e acrobáticas. Se a prática da capoeira se restringe a esses valores, vamos estar formando somente capoeiras alienados, e nada mais !!!
Sabemos que a capoeira é muito mais do que isso !!!
O capoeirista que tem postura política é aquele que busca estar sempre “antenado” com o mundo que o rodeia. É aquele que busca desenvolver sua capacidade crítica diante dos fatos que atingem a sociedade da qual faz parte, assumindo uma postura de questionamento e muitas vezes até de enfrentamento, quando necessário. É aquele que não se conforma com as injustiças, com os desmandos dos poderosos, com qualquer tipo de opressão. É aquele que busca sempre se envolver nas questões sociais que o afligem, demonstrando determinação em agir no sentido da transformação dessa realidade. Se envolve em debates e busca sempre ampliar seu conhecimento sobre a situação de sua comunidade, sua cidade, seu país, de sua gente.
Os mestres e professores comprometidos com essa visão crítica que a capoeira pode proporcionar aos seus praticantes, devem estar o tempo todo estimulando isso nos seus grupos, quer seja promovendo debates sobre questões sociais, históricas, étnicas, ecológicas, de gênero, etc…quer seja participando de ações diretamente envolvidas com essas questões ao lado de seus alunos em manifestações públicas, passeatas, mobilizações, ou ainda em articulação com outros movimentos sociais, pois a capoeira é também um movimento social. E tem um potencial de ser tornar um movimento muito forte e atuante, pois agrega milhões de pessoas no mundo todo.
Talvez não tenhamos ainda uma noção muito clara sobre o poder político e de mobilização social que a capoeira possui. Por isso, se os grupos começarem a incentivar a formação política dos capoeiras (como felizmente já vem fazendo muitos grupos por aí), no sentido de atuação para a transformação da realidade que atinge nossas sociedades, com certeza a contribuição da capoeira será ainda maior no sentido de transformar esse mundo, num mundo mais humano, justo e solidário !!!
Vamo simbora, camará !!!
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