Disciplina é a marca da personalidade do Grão-mestre Rei.

 

Personalidade: Grão-Mestre Rei


    Em torno de 1975, o menino Reinaldo frequentava o Centro Integrado de Atendimento ao Menor (Ciame), no bairro Santa Maria, em Belo Horizonte. O centro era um espaço de acolhimento aos jovens, com oferta de oficinas e outras oportunidades de integração social. Ali, o adolescente Reinaldo conheceu o mestre Quinzin, o homem que apresentou ao menino a arte da capoeira. Quase 40 anos depois, o menino que conheceu a capoeira no Ciame Santa Maria é o reconhecido Grão Mestre Rei de Belo Horizonte.


   Alguns anos depois, um grupo de amigos dava início a uma parte importante da história da capoeira de Belo Horizonte. Na época, o jovem Reinaldo convocou seus amigos Chiquinho, Menininho, Feio, Nego, Pifane, Guda, Toninho, Bocão, Geraldo e Célia para treinar capoeira no bairro Paraíso. Foi quando surgiu o Grupo Morro do Santana. “Deixo minha homenagem ao Mestre Quinzin, que foi meu grande mestre que nunca deixarei de agradecer. E também meus amigos do bairro Paraíso, sempre deixo um espaço especial de agradecimento para eles”, destacou o mestre Rei. Atualmente, o Grupo Morro do Santana está não só na capital mineira, mas em várias cidades do interior de Minas Gerais e em países como Israel, Espanha e Polônia.

   Negro de fala forte e de jogo alinhado, mestre Reinaldo não engana ninguém com seu jeito firme de levar os assuntos. Respeitado e querido entre os alunos, o mestre abre o sorriso largo no rosto ao lembrar das histórias do passado e faz todos irem às gargalhadas com os casos que conta. Durante a conversa, emocionou-se ao falar da sua mãe e do afastamento de alguns alunos, os quais acompanhou e participou do seu desenvolvimento na capoeira e na vida.

   Além de se destacar como mestre de capoeira, Reinaldo também trabalha em Centro Socioeducativo de Belo Horizonte, acompanhando adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. De acordo com o mestre, no treino de capoeira, em casa e na sociedade, a disciplina é fundamental. A disciplina rígida é a principal característica para o seu sucesso e é também a base principal ao conselho que dá aos jovens.

   Durante a entrevista, mestre Rei falou da importância de saber administrar bem seu tempo, entre as coisas que te fazem bem e aquelas que te fazem crescer. Falou sobre a necessidade de fazer suas escolhas com disciplina, contou histórias do tempo em que a feira hippie de Belo Horizonte acontecia sob o sol da Praça da Liberdade e a importância dos encontros na roda, com os capoeiristas daquele tempo. O mestre fez questão de falar do grupo de que foi fundador, o Morro do Santana, e especialmente, do desenvolvimento dos seus alunos – os que acompanharam o início da história do grupo, na vida pela capoeira.

Como começou o Grupo Morro de Santana?

Em 1983, fundei o Grupo Morro de Santana com aquela turma do bairro Paraíso. Mais ou menos em 1995, entrei pra Abadá com o mestre Camisa, fiquei sete anos no grupo. Quando saí da Abadá, decidi fundar novamente o Morro de Santana, que era minha origem, e comecei a construir tudo de novo. Buscar novos alunos. Meu grupo então começou a crescer bastante, tenho uma cria boa, uma meninada que mantém o grupo forte.

Quando saiu de BH para fazer parte da Abadá, como ficou o Morro do Santana? Na época, cada aluno meu evoluiu e criou seu próprio grupo. O mestre Marcelinho, que sempre está me ajudando, criou o Instituto de Capoeira Brasileira; o mestre Museu criou o Artes das Gerais; o mestre Nem criou o Grupo Camangula e hoje vive na Polônia; o mestre Boca de Peixe criou o Grupo Pernas pro Ar; o mestre Renatinho criou o Cais da Bahia. É muita história bonita…

Retrato Mestre Rei - Revista Capoeira

Te vejo falar com muito orgulho dos seus alunos. Você acompanha o desenvolvimento de todos eles na capoeira e na vida, ao passar do tempo? Claro. Tenho um aluno que peguei na rua, era lavador de carro. Hoje é Tenente Coronel da Polícia Militar. Tenho aluno que é médico, dentista, da Polícia Militar, da Polícia Federal, da Polícia Civil, gente que eu formei na capoeira. Tenho orgulho em ver meus alunos crescendo. Se o mestre tem a disciplina severa, o aluno segue aquela linha. Se o mestre não é disciplinado, o aluno também vai seguir o exemplo dele. Já peguei muitos alunos envolvidos com a droga e fiz de tudo pra mudar isso. Mudei meus alunos na roda. Meus alunos são um orgulho pra mim.

Você cita alguma experiência que tenha sido importante para o seu desenvolvimento na capoeira?

Em 1984 fui num encontro de capoeira que teve no Rio de Janeiro. Nesse encontro, eu conheci um jogo diferente da capoeira de BH. Aqui em Belo Horizonte a capoeira ainda não tinha muita base, não era tão focada na técnica, naquele tempo. Lá eu vi uma capoeira diferente. Comecei a ir pro Rio sempre, pra treinar, conviver com a capoeira de lá. Eu mudei meu ritmo de jogo e trouxe aquele estilo pra cá. Comecei a pegar base, a técnica e outras coisas do estilo de lá, como a corda que a gente não usava aqui em Belo Horizonte. Na época, o capoeira começou a sair, ir pro Rio, São Paulo, o que fez evoluir a capoeira de Belo Horizonte. Hoje, acho que a melhor capoeira é a daqui de BH. Evoluiu demais. A capoeira aqui é muito técnica, fico vendo como cresceu a cabeça dos capoeiristas, a gente tem muito mestre bom, muitos grupos. As rodas de capoeira na Feira Hippie têm muita história. Como eram as rodas daquele tempo? Naquela época a feira hippie acontecia na Praça da Liberdade. Na roda era capoeira e capoeirão. A roda era dos mestres. Quando a gente era convidado pra jogar, a gente levava coro. Eu era moleque na época. Apanhei muito na capoeira, e fui aprendendo. Então pus na minha cabeça que eu queria ser o melhor. Eu treinava muito e era teimoso, trocava na roda e voltava pra casa quebrado. A roda era do mestre Dunga. O jogo na roda da feira foi muito importante pra mim. Depois de um tempo, mais ou menos em 1980, o mestre parou de fazer a roda aqui. E eu tomei conta da roda por uns 20 anos, até a feira acabar na Praça da Liberdade e descer pra Afonso Pena. A roda aqui era muito boa. A gente jogava ao lado do coreto, juntava muita gente. Em dia de chuva a gente subia pro coreto e fazia a roda lá.

Ouvi falar da história do “bambu”. Explica pra gente que história é essa, mestre?

Meus treinamentos antigamente eram sempre na base do bambu. Eu passava a sequência durante a aula e explicava três vezes. Se pegou, pegou! Se o aluno errava, tomava “bambuzada”. Isso era com todo mundo, se errava, apanhava. Sempre fui rígido. O treinamento era pesado. A gente corria na linha de trem descalço. Subia a favela correndo e fazendo exercício. Pra aguentar a roda, criar resistência, a gente treinava duro. A gente jogava duas, três horas de roda e o corpo aguentava.

A maior fama que você tem passa pela sua disciplina. Como é o seu trabalho no dia-a-dia?

Disciplina pra mim é muito importante.  Nos treinos, cobro dos meus alunos o boletim da escola. Se precisar, eu dou bronca na frente da mãe. Não vou mudar esse jeitão meu, é desse jeito que dá resultado. O tempo passa e a capoeira é que fica. É isso que passo para os meus alunos. Trabalho no bairro Horto, no Centro Socioeducativo, com menores infratores. O jovem hoje é atendido pelo Estado, tem estudo, a comida é feita na hora, com acompanhamento de nutricionista, o dormitório bem estruturado, o menino tem banho, tem atividade, tem aula de inglês, tem aula de espanhol. Mas tem jovem que não dá valor. Hoje não muda de vida quem não quer. Mas tem menino que quer ganhar dinheiro fácil com a droga. Tem muitos que se perdem, mas tem sempre aqueles que conseguem melhorar. O jovem tem que lutar!

Você é mestre na capoeira e mestre na vida desses jovens. Qual conselho deixa para eles?

O recado que eu dou é para o jovem, é para todos, não é só para o capoeirista. A palavra é disciplina. Para se dar bem na vida tem que ter humildade, tem que ser um cara inteligente, um cara calmo, tem que entender as pessoas, saber ouvir. Respeitar os mais velhos, respeitar a história. O mundo te oferece tudo. Se você escolher coisa boa, vai ter vida boa. Se escolher o errado, vai ter vida ruim. A escolha é sua. Sou o exemplo de que é possível. Morei dentro de uma favela, perdi meu pai com 10 anos de idade e sou um cara trabalhador. Se o cara souber usar a cabeça, vai longe.

Contato com Grão-Mestre Rei: (31) 9274-6881

Texto e fotos: Amanda Lelis

VEJA ESSA EMTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO DA REVISTA CAPOEIRA #18 NA COLUNA “PERSONALIDADE” Retrato Mestre Rei - Revista Capoeira